quarta-feira, 22 de abril de 2009

_____Em Dom Casmurro, Capítulo LV, Um soneto, Machado de Assis faz ao leitor a seguinte provocação:

“Pois, senhores, nada me consola daquele soneto que não fiz. Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas, e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dous versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma idéia e encher o centro que falta.”

_____Obviamente, o autor faria quantos sonetos quisesse com os dois versos que criou:

“Oh Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!”, o primeiro do poema;
“Ganha-se a vida, perde-se a batalha.”, o verso final – a “chave de ouro”.

_____Fazer sonetos lhe seria fácil, mas o seu jogo era provocar, manipular as vaidades humanas, o seu prazer era fazer com que outros realizassem o que ele fingiu, com ironia e deboche, estar além da sua capacidade. Machado de Assis era um gênio, um bruxo.
_____Sim, ele está morto, mas suas genialidades e bruxarias estão vivas, por aí: o número de desocupados que encheram “o centro que falta” se aproxima, talvez, da casa do milhar, logo não serei “o primeiro”, mas, sem dúvida, mais um que se rende às manipulações machadianas.

SONETO

“Oh Flor do céu! Oh! Flor cândida e pura!”,
de celestes olores, de magia,
nessa doce prisão – doce clausura! –
a minha vida agora principia.

Oh! Flor do céu! Oh! Flor que me captura
os desejos. Seu olhar me desafia,
com dissimulações, com fantasia,
e da ressaca rompe-se a ternura.

Oblíquo, Capitu, é esse seu olhar
de mulher, de menina, de cigana;
ingênuo, tolo, deixo-me arrastar

pelo fervor que o olhar – tão seu – emana.
– Beije-me, Capitu! Que o amor me valha:
“Ganha-se a vida, perde-se a batalha”.

Um comentário:

Marcelino disse...

Esse terceiro quarteto, Curtt,parece que foi escrito mesmo pelo Bentinho e este veio do além das páginas do genial Machado só soprar no teu ouvido, é covardia!
Parabéns pelo texto, muito bonito, bem construído.