sábado, 30 de maio de 2009

Impulso

...estala,
nestas palavras avulsas,
a poesia.

E pulsa... pulsa... pulsa...

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Raiva (poema interjetivo)

Grrr!… blrr!… rah!…
Argh!… rrr!… bah!…

terça-feira, 26 de maio de 2009

Sobre cães e homens

_____Era noite, um frio intenso, caía uma garoa fina. Um cão de rua, deitado ali, em seu canto, e aquecido por sua própria pelagem.
_____Em outro canto, um homem e um menino, cobertos por uma única folha do jornal Consciência Cidadã.
_____O cão observava os dois – com um olhar companheiro que só alguns cães sabem ter – e lamentava a sorte desses animais.

Monodiálogos (mais do mesmo, em síntese)

______Um e outro há muito não se viam:
Um:___─ Tudo bem?
Outro: _─ Tudo bem?
______E cada um seguiu seu próprio caminho...

domingo, 24 de maio de 2009

Romance (Poema infantil 5)

Omar amava o mar;
por Roma amor sentia.

Por amor, Omar mora em Roma,
Mas o mar em Roma não mora.

sábado, 23 de maio de 2009

Dual (Poema Infantil 4)

Duda era doida por Dudu.
Dudu, por ela, era doido.

Elos nos dedos. Duplo desejo.
Casaram-se, sem dúvida.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Em trânsito

_____Em 31 de dezembro de 2008, pela manhã, o professor de português, purista e conservador – daqueles que exigem pingo em “j” (como esse!) –, entrou em um hipermercado e se deparou, bem à porta, com uma lista de produtos. Na lista, linguiça. Desse jeito, despudoradamente sem trema, transgressora e desrespeitosa. Torceu o nariz, tomou-o de sobressalto o desassossego, fez sua compra indignado, a imagem daquela mutilação gráfica sobrepunha-se a tudo e não o deixava. “A língua portuguesa é um dos nossos símbolos nacionais, um santuário, é unidade cultural manifesta, maltratá-la é maltratar-se”, pensava em mais um arrebatamento intolerante.
_____Mas o tempo é remédio para todos os males e arrefeceu-lhe os ânimos. Esqueceu-o a intolerância.
_____No dia seguinte, precisou voltar ao hipermercado – o mesmo do ano anterior – e encontrou-o aberto. À porta, a mesma lista de produtos. Na lista, linguiça. Assim mesmo, sem trema, como reza o novo acordo ortográfico. Sentiu-se bem, caminhou tranquilo, e sorriu realizado, convicto de que às vezes, sim, a montanha vai a Maomé.

domingo, 17 de maio de 2009

Náusea 2 ou haicai de natureza política

Sob um mar de rosas
sabia como esconder
o seu mar de lama.

sábado, 16 de maio de 2009

Náusea

_____Sozinho em sua cobertura, olhava pela janela. Sentia-se senhor de todas as coisas e de todos os seres. Deputado federal por dois mandatos e agora senador, sabia que era bem sucedido. Nunca poupara esforços para conquistar o sucesso. À procura de sua própria felicidade, trapaceou, subornou, explorou informações privilegiadas, licitações ilícitas, negociações escusas:
_____─ Nunca poupara esforços! - dizia a si mesmo, orgulhoso de seu império.
_____Serviu-se de mais uma taça de vinho... esticou-se em sua poltrona... tomado de languidez... sorriu confiante e um mal-estar súbito acometeu-o! Levantou-se de sobressalto, atordoado, a taça caiu-lhe da mão, uma sensação estranha tomava conta do seu corpo, das suas entranhas, sentia-se angustiado, um aperto no peito sufocava-o, o ar faltava-lhe, suava frio mas sentia-se febril, uma palidez extrema, ondas de náusea se intensificavam, uma tosse agressiva acentuava o seu mal-estar, sentia o coração na garganta e pressentiu o vômito, que jorrou viscoso, pustulento, fétido, impregnado de toda uma vida pública corrupta. O jorro não cessava, o líquido encorpado por toda sorte de crimes pestilentos amargava-lhe a boca e impedia-lhe a respiração. Caiu prostrado sobre a poltrona e, em seu torpor, conseguiu enfim fechar os olhos...
_____Sentiu-se estranho... um sentimento de cidadania... uma angústia...
_____
_____Abriu os olhos... tomado de languidez... e viu a taça em sua mão... levantou atordoado e reconheceu, com alívio, seu império intacto...
_____Sorriu confiante e serviu-se de mais vinho...
_____A náusea não passara de um sonho ruim.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Liberdade

_____José tinha viagem marcada. "Negócios são negócios". E não podia perdê-la, não podia sequer atrasar-se. "Além disso" - desabafou em pensamento - "fico longe dessa família insuportável, opressora e parasita". Sentia-se um escravo em sua própria casa: a mulher não entendia as suas ausências (José trabalhava muito) e cobrava-lhe insistentemente mais tempo com ela e com os filhos. Ele dava-lhe explicações. À distância, por telefone, justificava a distância e contava-lhe a necessidade de negociar face a face com os clientes - "essa é a chave do sucesso" - dizia, mas a esposa, "obtusa e egoísta", não reconhecia seus esforços: "Mas não reclama do dinheiro que lhe sustenta os caprichos", o desabafo continuava. Os filhos, não os viu crescer: da filha, lembrava alguns sorrisos; do filho, pouquíssimas brincadeiras no quintal. E agora tinha em casa a mulher e esses dois estranhos, cujo benefício - único! - era o desconto no imposto de renda.
_____"Ainda me liberto", em voz alta, dentro do carro. “Um dia... a liberdade...", agora com raiva.
_____O amigo, ao volante, assustou-se:
_____─ O que é isso, José? Raiva logo cedo?! Vê se dorme um pouco, esse estresse ainda vai lhe fazer mal.
_____José riu sem graça, fechou os olhos e dormiu, um sono profundo. José sonhou com a liberdade. Sozinho... voava tranquilo... e olhava o mundo do alto e de longe... fascinavam-lhe as nuvens... a paisagem vista do céu... os pássaros... as árvores e as flores... chegava a sentir-lhes o perfume suave e arrebatador... – Livre!... este é o fascínio da liberdade: o vento no rosto... o corpo leve... o prazer sem limite...
_____Do alto... via o movimento dos carros na rodovia... o fluir contínuo que aos poucos ia se transformado em engarrafamento... “Nem em sonho estou livre disso” pensou, ciente agora do seu sonho... Todos os dias os mesmos problemas: reparos na pista, algum carro quebrado, blitz ou acidente. Seguia acompanhando a fila, interminável... De repente, uma movimentação intensa de policiais, bombeiros e curiosos chamou-lhe a atenção. Curioso, aproximou-se. Era um acidente, "gravíssimo", pensou. Tinha uma visão privilegiada e esse privilégio permitiu-lhe ver um corpo entre a ferragens de um carro. Aproximou-se ainda mais... Era o carro do amigo! Olhou entre as ferragens retorcidas e reconheceu-se entre as desfigurações...
_____A angústia tomou-o de assalto, o desespero invadiu sua alma, já não voava, corria entre as pessoas à procura de detalhes. Ouvia vozes confusas e incrédulas, sirenes das viaturas, ruídos dos metais, motores e engrenagens. Desejou acordar e tentou com toda a força de sua consciência, mas o sonho - agora pesadelo - insistia. Em seu sofrimento, José encontrou o amigo, próximo ao carro, as mãos na cabeça, os olhos no vazio, gritava e chorava copiosamente. Tentou alcançá-lo, não conseguiu. Bombeiros que seguravam o amigo pelos braços o tiraram do local. Olhou novamente para si mesmo entre as ferragens – fragmentos retorcidos de si mesmo – e entendeu definitivamente a situação...
_____Afastou-se confuso... um peso invadiu-lhe o ser... Sentou-se à beira do caminho e, alheio a todos, chorou a liberdade conquistada.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Nada

A luz se escondia atrás do mundo,
quando acordei para o dia que 'inda nem era,
no ar havia um cheiro da água inodora!
da chuva que caíra na noite anterior.
Na rua não havia ninguém e
as nuvens subjugavam os astros
─ e você, o meu pensamento.
Baixei os olhos do meu coração
e fiquei olhando o céu sem estrelas.

Reflexão

_____A consciência e a prática de não dizermos as 'verdades que não devem ser ditas' não nos tornam hipócritas, mas sociáveis.

sábado, 9 de maio de 2009

Monodiálogos

_____Trabalham juntos na mesma empresa, mas em departamentos diferentes. Um dia desses se encontraram durante o horário do café:

_____Ele: ─ Nossa! Como o café está amargo!
_____Ela: ─ Acho que eu nem deveria ter vindo hoje. Minha semana começou mal.
_____Ele: ─ Desde que mandaram a copeira embora e entrou essa funcionária nova, o café não é a mesma coisa.
_____Ela: ─ Acordei péssima... uma dor de cabeça terrível. Será que foi a discussão ontem à noite?
_____Ele: ─ Todos elogiavam a dona Maria... mesmo assim ela foi demitida. Agora sou obrigado a suportar este café insuportável.
_____Ela: ─ A discussão começou por causa de um mal entendido. Meu noivo reclamava de algo sobre eu não lhe dar atenção... não tenho certeza... mas parece-me estranho: sempre acreditei no diálogo.
_____Ele: ─ Nem sei por que fazem pesquisas nesta empresa. Parece que a opinião dos funcionários não tem valor nenhum. Você não concorda?
_____Ela: ─ Sempre ouvi o meu noivo, sempre lhe dei atenção... e agora isso...
_____Ele: ─ Eu já me cansei de dar sugestões, mas ninguém me ouve. Parece que cada um vive em seu próprio mundo.
_____Chega um terceiro funcionário.
_____Ela: ─ Assim que chegar em casa, vou ligar para o meu noivo. Quero tudo em pratos limpos... ele vai ter que me explicar direitinho...
_____Ele: ─ Quer saber? Se fizerem outra pesquisa, vou responder de qualquer jeito. Não nos dão atenção mesmo...
_____O outro: ─ Vocês viram o futebol, ontem. Que jogaço! Se meu time continuar jogando assim, vai ser campeão...
_____Ele: ─ Preciso voltar para o serviço. Alguém aqui tem de trabalhar...
_____O outro: ─ O Roballo é craque, é liso... vai ser artilheiro do campeonato. Ouçam o que estou dizendo...
_____Ela: ─ Será que ninguém reparou que esse café está amargo?!

domingo, 3 de maio de 2009

sábado, 2 de maio de 2009

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Desassossego redundante
de um pleonasmático depressivo

Minha vida, meu existir, é um enfado... é um fastio...
via o chão... olhava o solo...
de repente, súbito,
no meio do caminho, no percurso,
um cadáver de um corpo sem vida

fedia: um mau cheiro arredio.
Extremidades retorcidas, contorcidos polos,
do corpo em decúbito
ventral, de bruços; sem voz e sem discurso.
Pensei, refleti: minha vida é essa morte repetida.