sábado, 18 de abril de 2009

Máquina mortífera

_____Strangerson era um cidadão logófago, alimentava-se de palavras, literal e vorazmente: seu corpo hidratava-se com a seiva discursiva de uma prosa consistente e elaborada, por isso frequentava simpósios, congressos e participava de qualquer conversa em que das palavras brotasse um fluido energizante e criador; lia compulsivamente os clássicos, os gênios da literatura universal, os teóricos e a crítica especializados; seu corpo se fortalecia com o novo e com o fundamento.
_____O óbvio entediava-o; o blá-blá-blá e a mesmice em diálogos eram o seu tendão de Aquiles. Exposto a eles por um tempo prolongado, morreria por inanição.
_____Strangerson tinha lá os seus caprichos, sentia prazer em implodir as colunas da certeza com sua acidez implacável e contundente. Seu discurso minava os argumentos com avidez e racionalismo instintivos, inatos e incontroláveis.
_____Por isso tinha inimigos, muitos: os que viviam do “lugar comum”, os que enriqueciam com a pregação das falsas verdades, os que reescreviam o reescrito e tantos outros seres e suas vacuidades maravilhosas.
_____Strangerson foi capturado. No cativeiro, submeteram-no à exposição continuada da programação televisa. Foi vítima da crueldade. Imobilizado, tentou resistir, mas a sucessão de programas degenerou sua mente e roubou-lhe a vitalidade corpórea. Sem consciência, seus olhos perderam o movimento e fixaram-se na tela; a partir daí a morte foi rápida: sem a capacidade de filtrar informações, entrou em transe e atingiu a catatonia. Nesse momento, começou Big Brother Brasil: não teve chance – nem precisava tanto! –, foi o golpe de misericórdia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Strangerson teria que ser muito poderoso para resistir ao "veneno" televisivo!!!
Curtt, Parabéns pelo texto!!!

Paulo Irineu