sábado, 28 de março de 2009

Destino

_____Carlos e Pedro se conheceram ainda jovens. Eram vizinhos desde meninos e estudaram na mesma escola, pública, até o 2º grau. Carlos se dizia idealista, Pedro, pragmático. Carlos fez cursinho – queria fazer medicina – esforçou-se muito, estudou como ninguém e conquistou uma vaga na universidade, depois de quase dois anos de sacrifícios. Pedro terminou o segundo grau, tirou carteira de motorista ainda no exército, passou de emprego em emprego e se estabeleceu, finalmente, como motorista de caminhão aos 26 anos de idade.
_____Carlos terminou seu curso e, ainda cardiologista recém-formado, conquistou respeito pelo profissionalismo e pelo trabalho comunitário que realizava nos bairros pobres da cidade.
_____Pedro também se destacava pelos sacrifícios, viajava de 13 a 15 horas por dia e sempre entregava a carga com antecedência. Mantinha-se acordado (acreditava nisso), durante as viagens, à custa de drogas – aprendeu com alguns companheiros –, mas depois de apenas três anos já recebia o maior salário entre os motoristas e era, sem dúvida, o preferido para os fretes mais importantes.
_____Carlos e Pedro não se viam há muitos anos, desde o baile de formatura, quando ainda tinham 17 anos de idade, mas se encontraram na estrada, antiga BR-28. Carlos voltava de um Congresso, e Pedro carregava uma carga importante para a empresa. Eram duas horas da tarde, Carlos preferiu não almoçar – almoçaria em casa –; Pedro tinha almoçado bem e seguia viagem. Carlos acelerou seu carro, concentrou-se na pista, que estava tranquila e pouco movimentada. O trecho de poucas curvas, o sol, o almoço e o cansaço se apoiaram nas pálpebras de Pedro, que dormiu ao volante. A carreta desgovernou-se, dobrada em L, e fechou a rodovia. Carlos não teve tempo de se desviar. O impacto, que fez Pedro – no meio do caminho – recobrar a consciência, fez Carlos perder a sua, definitivamente.
_____Dizem que do destino não se foge. Deve ser verdade.

3 comentários:

Curtt disse...

Essa narrativa estabelece um diálogo com o poema "no meio do caminho", de Carlos Drummond de Andrade, por isso:

Carlos - referência ao poeta;
Pedro - a "pedra no meio do caminho";
A profissão de Pedro, caminhoneiro, também faz referência ao 'caminho';
BR-28 - referência ao ano em que o poema foi publicado.

Além disso, houve o cuidado de que - nessa alternância - o nome 'Pedro' ficasse sempre entre dois Carlos.

Qualquer outra semelhança é mera coincidência.

Marcelino disse...

Gostei muito, senhor poeta. É desses textos cujos desfechos agradam, ñ sei se por previsíveis, ñ sei se por indefensáveis. Ah, previsível ñ entra aqui como defeito, mas como característica q significa uma decorrência lógica e presumível de um enredo.

Luís Antônio disse...

E depois, ainda dizem que os escritores inteligentes e criativos não existem mais.Saudades,Curtt!