domingo, 25 de dezembro de 2011

Conto de Natal

Recostado à janela do apartamento,
olhava a garoa fina que caía sobre a cidade.
Senti o cheiro da água e o prazer de um fim de tarde.

― É NATAL! – pensei – o mundo destina-se mesmo ao encantamento.
Levantei os olhos e deixei-me sentir um frescor de tempo e paz...


Logo percebi um movimento na rua, era uma mulher de bicicleta.
Tinha por companhia um saco carregado de garrafa plástica.
Parou diante de um cesto de lixo, vasculhou e encontrou mais garrafas.
Recolheu tudo com a destreza comum a quem vive a vida assim.

Encontrou uma caixa de suco.
Pegou com desejo. Viu que havia um líquido ali.
Não examinou. Tomou sofregamente.
Sentiu nojo, mas não cuspiu.
Guardou a caixa e seguiu o caminho de todos os dias.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

poesia digital

seu corpo ao toque dos meus dedos

segunda-feira, 25 de julho de 2011

novo romântico (ou Allegro ma non troppo)

Este verso não se fecha
em si mesmo.
Assim como um torresmo não desencanta a poesia.

Torresmo – lírico ao paladar –
cai feito rosa e se alastra
como tentáculos pela imensidão vermelha.

Sangue é vida disseminada em ramificações.
Torresmo é fuga. É o mal do século.

E eu sou romântico.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ovo do desperdício

Poema inspirado na genialidade poética de
João Cabral de Melo Neto  e de Marcelino Pan y Vino
Um ovo assim em coletivo,
ao lado de outros e de lado,
por tempo em demasia, receoso,
ao canto, que o bem desejado.

O ser que é tão vivo, não morto,
e antes, e morno, e imaculado,
agora com vida em processo
de morte – o ovo, desanimado.

O tempo no tempo se perde
o ovo maciço, o de encaixado.
Em seu seio de ser, de alimento,
– mortalmente – deteriorado.

Este ovo, em goro, já não cumpre
duas sinas – de ser destinado:
um, sem vida, ovo de não-ser;
e outro ser – de fome – colmado.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

CRISTIANE

Cristais estampados no céu. Frios. Corpos distantes...
Tímidos olhares ― de nós dois a um tempo. Logo incandescências.
Anêmonas de fogo: seu corpo. Nossas convergências.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Deslize

Vinha andando pela rua, perdido em pensamentos.
Vi uma pedra. Redonda e aerodinâmica.
Chutei com força e ela deslizou longe.
Trincou em algumas partes e deixou pequenas lascas pelo caminho.

Alcancei a mesma pedra uns vinte metros depois.
Não. Não era a mesma pedra:
aquela outra pedra ainda não tinha sido agredida.

Assim são as pessoas.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Necessidades Especiais

Minha cegueira física
não me impede de ver
a cegueira moral humana.

sábado, 30 de abril de 2011

1977

          Era uma manhã de segunda-feira, sete horas, terceira série. Eu era novato na escola, meus companheiros e eu tínhamos entre 09 e 10 anos. O professor entrou na sala, em silêncio. Era o professor regente. Entrou e sentou-se. Olhou para todos, mas não viu ninguém. Olhou cerimoniosamente para o quadro de giz, vazio. Abriu sua maleta, retirou alguns livros e os colocou sobre a mesa, como uma tradição. Observou-os com prazer. Olhou-nos novamente, mas ainda com os olhos absortos. Pôs a mão no bolso e retirou um maço de cigarros. Pegou um e acendeu-o. Assumiu um ar misterioso e superior, seus olhos sorriam por trás da delicada linha de fumaça. Foram os primeiros 20 minutos de aula.

sábado, 9 de abril de 2011

sábado, 26 de março de 2011

yin-yang

Estou alegre hoje. Muito. Feliz talvez!
Mas uma felicidade melancólica,
daquelas que nascem de uma saudade gostosa e irremediável,
como a lembrança de uma avó que já se foi
e deixou um legado de carinhos e sorrisos...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Poema Infantil 09

Você sabe aonde fui?
Fui à casa do meu pai.
Ele se chama Rui.
Lá quase ninguém vai.

E sabe por que fui?
Saudade de meu pai.
Se lamento, digo “ui”.
Se dói muito, digo “ai”.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

sábado, 15 de janeiro de 2011

Palavras têm sabor?

Palavras têm sabor?
Não sei. Sei que saboreio palavras.
Algumas parecem ácidas por natureza,
e há quem as adoce.
Algumas inspiram doçura e suavidade,
mas a ironia e o sarcasmo as acidulam.

Palavras têm sabor?
Talvez. Mas sei que encantam (ou corroem)
segundo a dialética humana.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Estrangeiro

Por que buscar
Rima rara?
Tê-la e estrela.
─ Caetano fê-la
por Guanabara.
Perco-me em desagrado.
E qui-lo com fi-lo...?
─ Não fico tranquilo
nem sou Jânio Quadros.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Homicídio na madrugada

Um homem em silêncio e frio.
Do isqueiro em mãos. En-
tre espanto e prazer.
Quatro horas. Outro homem. Desespero.
Sim. Coração aos pulos. Para ele não amanhe-
ce. Eis que entriste-
ce. Teve medo. O peito arde. Af...
oito. Nos pulsos e na garganta um
nó. Vê a morte flamejante e morre a
dez minutos do amanhacer.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Metonímia

Só desejo uma célula sua:
sem anticorpos e toda nua.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Árido

Sob o sol estou,
por toda a vida.
Minha pele tem rachaduras
que fazem de meu corpo
uma extensão do outro
e do chão em que piso.

São sulcos profundos
e ranhuras por onde correm filetes de água
da chuva tímida do suor do meu corpo.

O mar são minhas lágrimas.